terça-feira, 16 de setembro de 2025

Review: Yin/Yang - Soma Saito

     No texto sobre "In a Safe Place" do The Album Leaf eu falei que tinha conhecido esse artista por conta do Soma Saito, um dublador, cantor e escritor que eu acompanho desde 2023 mais ou menos. Pois bem, eu fiquei pensando muito sobre qual álbum falar primeiro - porque eu literalmente gosto de todos, no nível de escutar todos os dias em algum momento.

    Hoje, decidi falar do terceiro EP, Yin/Yang (em japonês 陰/陽), lançado em 2022. Quem me conhece provavelmente deve estar chocado de eu estar falando sobre esse álbum primeiro e não de in bloom, mas acho que é um momento bom pra isso. E não se preocupem, em algum momento eu vou sim falar sobre in bloom.

    Como Yin/Yang é um EP, ele é mais curtinho e tem apenas 6 músicas - 7 se considerar o Secret Track, mas não vou falar dela aqui porque ela só tem mesmo no CD físico. Vocês podem encontrar esse EP para ouvir aqui no Spotify.

    



    Antes de falar sobre as músicas especificamente, eu gostaria de dizer que o Soma é um artista um pouco diferente dos outros - principalmente dos japoneses que eu ouço -, porque ele normalmente não cria as músicas com uma mensagem muito específica, e nem aborda muito temas como esperança e paz. Ele mesmo já disse isso em algumas entrevistas, e muitas vezes os álbuns tem algum tipo de conceito por trás. Além disso, o Soma faz questão de escrever literalmente todas as letras de todas as músicas que ele cria, o que para mim traz uma sensação ainda mais especial e única na hora de ouvir e sentir elas.

    Uma coisa que eu gosto muito em todos os álbuns do Soma também é o modo que a ordem em que as músicas se encontram. Acho que isso vai ficar mais claro conforme eu for falando sobre as músicas na ordem do CD daqui em diante, mas ouvir pelo menos uma vez o álbum sem pular nenhuma faixa é uma das experiências mais legais. Nesse álbum a sensação que me deu é que a primeira metade representa o Yin e a segunda o Yang, mas talvez com algumas ressalvas. (?)

Tracklist
M1. 楽園 (Rakuen)
M2. SPACE TRIP
M3. エニグマ・ゲーム (Enigma Game)
M4. 風花 (Kazahana)
M5. 蝿の王 (Hae no Ou)
M6. mirrors

    A primeira parte, que eu vou intitular como o "Yin"(陰) abre com a M1 楽園 (Rakuen). Até onde eu me lembro de ter pesquisado, essa música foi feita para comemorar os 5 anos de carreira musical do Soma. Uma coisa que eu gosto muito nela com certeza é o instrumental, que já começa com um cello e um piano bem bonitos.

    A letra também é muito bonita, pois ela basicamente ressignifica o que é o "Paraíso". Assim como provavelmente várias pessoas, eu particularmente sempre tive a imagem do paraíso como um lugar específico. Mas aqui ele fala exatamente o contrário, que na verdade o "Paraíso" não é um lugar no futuro, mas onde você se encontra agora, junto da conexão que você tem com esse lugar e as pessoas que estão lá nesse momento.

    Outra coisa que eu gosto muito é que ele aborda a temática da efemeridade e da impermanência das coisas mas de um jeito bem sensível. O instrumental também sinceramente me fez sentir mesmo como se fosse uma despedida de um lugar para o outro.

    Seguindo para o próximo local, chegamos na M2. SPACE TRIP. Daqui nós vamos literalmente parar no Espaço, um dos outros temas que o Soma gosta muito de abordar em boa parte de suas músicas. Eu gosto muito como essa canção é mais animada e traz um ar mais divertido, como se fosse mesmo a parte do Yin do álbum.

    A sensação que me deu ouvindo foi de ter entrado numa nave espacial com uma roupa de astronauta, saído numa aventura no espaço e ter visto fantasmas e alienígenas simpáticos no meio da escuridão junto do protagonista. Além disso, a inocência e pureza nessa música que eu senti me deixou um sentimento muito aconchegante de realmente ser uma aventura de férias de verão muito gostosa.

    Com esse sentimento gostoso, nós chegamos em M3. エニグマ・ゲーム (Enigma Game). Essa é uma faixa que por estar literalmente no meio do álbum, ela meio que fecha o ciclo do Yin com uma incógnita. É como se ela estivesse deixando uma dúvida para você, ouvinte, falando: "olha, alguma coisa vai mudar daqui em diante, mas eu vou deixar aqui para você tentar descobrir". Mas assim, sinceramente eu só prestei atenção nesse ponto enquanto ouvia o álbum para escrever essa review, e foi uma coisa bem interessante. 

    As músicas seguintes representam a parte do "Yang"(陽), e daqui pra frente as canções são mais "sombrias" mesmo. Inclusive eu digo que se você entender a letra ou colocar num tradutor, dá pra literalmente sentir a dor do que ele fala.

    A M4. 風花 (Kazahana) é a música que abre a seção da sombra. Ela te faz mergulhar mesmo numa sensação melancólica, e inclusive o modo como o Soma canta aqui muda um pouco também. Eu fui procurar o significado do nome dessa música, e mesmo que os ideogramas sejam de vento e flor, na verdade Kazahana é a expressão que eles dão para a neve que está caindo num dia mais ensolarado.

    Aqui eu não sei se sou eu, mas essa M4 me deu a sensação dele cantar um pouco mais "pesado", no sentido de parecer meio triste, meio vazio. É como se o eu lírico tivesse mesmo perdido alguma coisa muito importante, ele se arrepende profundamente dos erros que cometeu e de ter deixado as coisas terminarem como terminaram. Ao mesmo tempo em que a letra tem todo esse peso junto da guitarra e da bateria, o piano traz uma delicadeza, mas que no fim, pessoalmente só reforçou mais a melancolia.

    Outra coisa que bateu em mim foi a seguinte letra:

"君が残した光が眩しすぎて、よく見えないよ私の色は/ Kimi ga nokoshita hikari ga mabushi sugite, yoku mienai yo watashi no iro wa

こんなに濁って、渦になって、どこにもたどり着けないままで/Konna ni nigotte, uzu ni natte, doko ni mo tadoritsukenai mama de

風花に囚われて/Kazahana ni torawarete

(Em tradução livre: A luz que você deixou é tão forte que ofusca a minha própria cor/ Preso nessa neve, num vórtice tão lamacento e turbulento, sem chegar a lugar algum) 

    Às vezes, quando eu ouço essa música - principalmente quando eu estou muito triste - esses versos finais me pegam bastante. 

    M5. 蝿の王 (Hae no Ou). Se eu não estiver enganada, Hae no Ou é a tradução em japonês para "Senhor das Moscas", que também é título de um romance escrito por William Golding. Em uma entrevista que o Soma deu na época para um site chamado rockin'on (entrevista em japonês no link), o entrevistador comentou sobre isso e o Soma respondeu que tinha um tema subjacente, principalmente nas partes que ele fala sobre usar uma "lâmina afiada" para "cortar a carne".

    Ao ouvir só o instrumental, a sensação que me dá é que o protagonista está lutando contra algo. Mas olhando a letra é uma coisa completamente diferente e agressiva. No meu entender pelo menos, o protagonista não está lutando contra algo, mas sim se divertindo dilacerando alguém. É uma música bem mais brutal do que eu imaginava, e até fiquei um pouco chocada quando me toquei disso - apesar de eu gostar muito da guitarra aqui.

    E aparentemente, pesquisando um pouco e lendo sobre outras reviews, essa música realmente remete um pouco com o romance do William Golding. O que parecia ser o paraíso acabou se transformando em um inferno, a inocência sendo perdida e o fogo sendo ateado nele para "recomeçar".

    M6. mirrors. O EP acaba com provavelmente uma das músicas mais tristes que esse homem já criou até hoje. Depois de ouvir Hae no Ou e ser meio dilacerada, "mirrors" me deu muito a sensação de "mas por que eu fiz tudo isso?", como um questionamento do eu lírico. Se eu não me engano em alguma outra entrevista eu li em que o Soma disse que essa foi uma música que nasceu num momento em que ele começou a duvidar de si e da sua capacidade. Infelizmente eu não lembro onde ele disse isso, mas espero que não seja um efeito mandela.

    Essa música fala exatamente sobre isso, sobre você se olhar no espelho e não se reconhecer, de você se questionar sobre várias coisas inclusive sobre si próprio. Num primeiro momento pode até parecer um jeito meio "pessimista" de fechar o álbum, considerando que essa canção aborda o tema da "síndrome do impostor".

    Mas acho que depois de ouvir mirrors tantas vezes e chorar tantas vezes com ela, eu também senti que essa é a "sombra" que a gente tem que lidar durante a vida. Que a gente tem que passar pelas tristezas e medos; que às vezes a gente se perde e não se reconhece; se engana. 

    Mesmo que essa música soe muito triste, acho que o ponto mais alto dela é quando ele fala que você pode ficar triste, porque um dia esse sentimento também vai passar. Acho que por mais que ela seja bem pesada, é até um jeito meio otimista de terminar o álbum, então acho que foi uma ótima última música.

    Revisando esse texto, eu realmente senti que no geral, "Yin/Yang" é um EP que realmente faz jus ao nome, mostrando como cada um de nós tem a "luz" e a "sombra" dentro de si, e como podemos ressignificar elas de acordo com o momento que estamos passando. Não é atoa que esses é um dos meus EPs favoritos e eu fiquei feliz inclusive que pude sentir que entendi um pouco melhor sobre algumas músicas que eu nunca tinha parado muito para pensar enquanto escrevia isso aqui.

    Infelizmente eu não achei nenhum lugar que tivesse as músicas traduzidas para o inglês e eu também não tive tempo para tentar traduzir por conta própria, mas espero que essa review pelo menos tenha ajudado um pouco a alguém entender esse, que provavelmente é um dos EPs mais geniais que Soma Saito criou.

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